Paulo Antunes, diretor-executivo da Loja do Condomínio, defende que o envelhecimento do parque habitacional será um dos desafios do futuro.
PAULO ANTUNES Tem 50 anos e até 2002 trabalhou como engenheiro civil. Há 16 anos, numa altura em que a profissionalização da administração de condomínios se encontrava numa fase embrionária, foi um dos fundadores da Loja do Condomínio. Hoje, é o diretor-executivo de uma rede que gere 6800 condomínios com 170 mil proprietários, em particular no litoral, em capitais de distrito e nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Condomínios em todo o país, em particular no litoral e nas zonas mais Gestora de cerca de 6800 povoadas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, a Loja do Condomínio faz da criação de laços entre vizinhos a sua missão. “É o não conhecimento que gera a conflitualidade”, defende Paulo Antunes, lembrando que há hoje em cada prédio uma maior diversidade de pessoas e de interesses. Um “microcosmos” de que o alojamento local já faz parte, até porque os desafios por si criados não são muitos distintos dos inerentes à habitação permanente: “Estamos sempre a falar de relações de vizinhança, de respeito pelos outros.” Diz, por isso, que o futuro passará pela recuperação do desejo de entreajuda entre todos. Só não se sabe como.
A Loja do Condomínio gere cerca de 68oo condomínios com cerca de 170 mil proprietários. Porque vos procuram?
Cada vez menos as pessoas que vivem em condomínio têm disponibilidade para assegurar essa função. E, ao longo dos últimos anos, tem havido uma transferência dessa administração mais doméstica para os serviços profissionais.
Representam sempre uma administração ou qualquer condómino pode requisitar os vossos serviços?
Representamos sempre a administração do condomínio, não prestamos serviço individualmente a nenhum condómino. A administração é aquilo que é mais relevante na gestão do património. Depois, temos agregados serviço de manutenção, serviço de limpeza e um conjunto de packs de serviços que vão desde a assistência 24 horas por dia/ 3 65 dias por ano ao médico ao domicílio.
É habitual os condomínios contratarem esses packs? O médico ao domicílio, por exemplo, não é o que normalmente se associa ao condomínio.
É verdade, mas se eu lhe disser que o médico ao domicílio, a assistência 24 horas por dia/365 dias por ano e o seguro de proteção jurídica do condomínio custam, as três coisas juntas, um euro e meio por mês por condómino, facilmente se percebe a adesão a este tipo de serviços.
Dos 6800 condomínios que gerem, quantos têm esses packs?
Mais de 70% dos nossos condomínios têm mais serviços do que apenas administração. Trata-se então de algo que ultrapassa a simples falta de tempo… A falta de tempo, muitas vezes, é o primeiro espoletar da questão. Mas, depois, quando começam a falar connosco, as pessoas começam a perceber que ter um profissional à frente do seu condomínio traz vantagens, muitas vezes até poupanças económicas.
Quais são, hoje em dia, os principais problemas ao nível da gestão do condomínio?
Um, que é típico, é o não pagamento de quotas por parte de alguns condóminos. Quase todos os condomínios têm um devedor de serviço. Por outro lado, temos a questão do envelhecimento do parque habitacional. Não nos podemos esquecer que, hoje, estamos a tratar com um parque habitacional que foi construído nas décadas de 1980 e de 1990. Há muitas necessidades de obras de requalificação, de reparação. Outra questão, se calhar menos visível mas mais importante, é a relação entre as pessoas. O condomínio acaba por ser um microcosmos onde vive um conjunto de pessoas que usufruem do mesmo espaço comum, mas que, muitas vezes, querem coisas diferentes para esse espaço.
Como é que atuam ao nível dessas relações?
Esse trabalho é feito através da grande formação dos nossos gestores, que estão qualificados para fazer esta gestão e mediação. Muitas vezes, o problema existe simplesmente porque as pessoas não conversam. Se as pessoas conversassem, se as pessoas se conhecessem, se calhar percebiam por que é que o outro tem este problema. E é um pouco isto que tentamos fazer: criar pontes entre vizinhos. Somos, em termos práticos, um facilitador.
Trata-se, no fundo, de ir contra a corrente daquilo que se associa, normalmente, a cidades como Lisboa e Porto.
Exatamente. É esse não conhecimento que gera a conflitualidade. Porque se o vizinho fizesse barulho, eu fosse lá bater à porta e ele percebesse a minha vida – que eu trabalho e tenho de me levantar de madrugada -, se calhar a coisa resolvia-se. O problema é que as pessoas não têm esta relação de proximidade.
Mas imagino que, quanto maior for a dimensão do prédio, mais difícil é pôr isso em prática.
Teoricamente, sim. [Num prédio com 50 apartamentos], vivem provavelmente 50 pessoas que querem coisas diferentes para o seu espaço comum e que têm formas de viver e de se relacionar diferentes. Enquanto nos anos 1980, nos anos 1970, todas as pessoas recém-casadas compraram a sua casa viverem o mesmo momento da sua vida, hoje, num prédio de 50 frações, provavelmente temos alguém jovem, temos outra pessoa com uma certa idade, temos um casal com filhos. Há ali um conjunto de interações muito diferentes. A dimensão do condomínio traz maior diversidade, traz maior dificuldade no entendimento, mas não quer dizer que seja sempre assim.
Outra tendência recente é a explosão do alojamento local. Nota-se o seu efeito nos vossos condomínios?
Notamos, porque o alojamento local é transversal. Parece que o alojamento local é uma coisa nova. Não é. O alojamento local existe há décadas. Há décadas que as pessoas iam para o Algarve e passavam 15 dias de férias num apartamento arrendado. O que é novo é a forma de lhe darmos contorno legal e do Estado ter criado aqui enquadramento. Claro que a pressão turística que Lisboa e Porto têm sofrido nos últimos anos tem feito este explodir. E claramente temos alojamento local presente nos nossos condomínios.
É uma realidade que traz novos desafios?
Traz novos desafios que não são desafios muito diferentes daquilo que é a habitação normal. Porquê? Porque estamos a falar sempre de relações de vizinhança, do respeito pelos outros. E, quando isso está garantido, seja alojamento local seja arrendamento tradicional, é a mesma coisa.
Conhece algum caso em que o alojamento local seja superior à habitação permanente?
Não. Na nossa rede, não tenho qualquer informação de uma situação em que já tenha havido essa inversão. Normalmente, a presença não é assim tão grande.
Que outros desafios irão surgir no futuro?
Vão estar muito assentes nas questões que têm a ver com a preservação do património. As pessoas ainda não estão totalmente conscientes dessa necessidade. Hoje, temos claro que nunca mais vamos ter os níveis de construção do passado. Hoje temos é de manter a construção existente em bom estado de conservação e fazer os ajustes às novas condições de conforto que queremos ter. Muitas vezes, os condomínios reagem tarde e a más horas. Vai-se impermeabilizar o terraço porque chove em casa do vizinho. Não devia ser assim: devíamos saber que aquele terraço está em fim de vida útil e a obra deveria estar executada antes de prejudicar alguém, reduzindo até os custos da própria intervenção.•
In Jornal de Notícias
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